Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Durante muito tempo o Palácio senhorial de Florença foi a sede de governo de um pequeno Estado – o Grão-Ducado de Toscana, na Itália – que ocupou na cultura e no pensamento humano um lugar proeminente.
Foi uma grande potência do pensamento.
O palácio é típico do estilo florentino. Sua cor é bonita, o amarelado da pedra utilizada na construção apresenta aspecto agradável, nada mais do que isso.
Uma torre quadrada com relógio, janelas, algumas em forma ogival, outras puras perfurações na parede, destituídas de beleza especial.
Estamos habituados, na ótica moderna, à idéia de que a torre deve estar bem no meio do edifício.
Ali não. A torre fica um pouco mais para o lado direito da fachada.
E o relógio está colocado na base da torre, quando normalmente localizar-se-ia em sua parte superior das ameias, para ser visto pelo maior número de pessoas.
Constata-se a simplicidade do estilo do edifício, procurando-se nele uma porta de entrada monumental, que deveria ser proporcional à fachada principal. Ela não existe.
À frente de uma das janelas há um balcão. Dir-se-ia que um palácio tão grandioso comportaria um balcão mais bonito, mais elegante.
Igualmente este não se encontra no Edifício.
O estilo florentino é seco, quase lambido. Reflete a psicologia dos habitantes da cidade.
Esse edifício é belo? É lindo! Para meu gosto pessoal é extraordinário! Sério e altivo.
O modo pelo qual a torre ergue-se altaneira no corpo do palácio é extraordinário.
Uma palavra convém dizer sobre a fileira de arco que circundam a parte superior de todo o edifício.
Os arcos estão cobertos por um teto, com uma nota de suavidade, quase se diria doçura séria, hierática e agradável, que completa um pouco o que o palácio tem de seco.
Na realidade, tais arcos são grandes machicoulis* ornamentais, utilizados como elementos de adorno na arquitetura da época.
E merece ser ressaltado o bom gosto em colocar no interior de cada um dos arcos – formado pela conjugação de dois machicoulis – um vistoso brasão.
Tais ornamentos constituem um fator de decoro da Praça do Palácio da Senhoria.
Imaginemos uma pessoa que sai de seu escritório à noite.
Ela deixou um pequeno carro qualquer estacionado junto ao Palácio.
Chove, ela sai com uma capa de chuva, fumando um cigarrinho ‒ ele já fumou 20 durante o dia ‒, cansada. Chega junto ao carro. Ela vê diariamente aqueles machicoulis.
Tal pessoa terá altura de alma para reter o passo e entreter-se na consideração do palácio?
Podemos imaginar dois modos de ser distintos.
Um é o do homem que está atolado no mundo moderno, gosta deste mundo e passa perto do palácio considerando-o uma coisa inoportuna.
Se ele olhar para o edifício, transferirá seu espírito das considerações sobre o seu ganha-pão, para considerações com as quais ele nada tem o que fazer.
O palácio ‒ para usar uma expressão italiana que freqüentemente me tem vindo ao ouvido ‒ é uma coisa “con la quale o senza la quale, il mondo va tale quale” (com a qual, ou sem a qual, o mundo segue tal e qual).
E esse homem, assim, torna-se ainda mais insensível ao palácio.
Se ele, pelo contrário, é dotado de mentalidade superior, distancia-se um pouco, apesar da chuva, e diz: “Vou descansar, olhando para esta beleza. Vou tomar um banho de espírito pensando nela, contemplando-a alguns instantes ...”
Entra no automovelzinho, dá um giro, recua um pouco e, enquanto acaba de fumar o seu cigarro, fica observando pela enésima vez em sua vida o Palácio da Senhoria.
E admira, por exemplo, as duas séries de pequenos machicoulis* e de ameias existentes na parte superior da torre...
Aquilo entranha-se na alma dele. Seu espírito torna-se mais rico, como um depósito de arte de algum modo insondável.
Os homens desse último gênero são incomparavelmente mais raros do que os do primeiro.
Eis aí uma explicação viva da insensibilidade, que é uma das tentações do homem moderno...
*Machicoulis: balcão de pedra construído no cimo das muralhas e das torres, na Idade Média, cujo fundo apresentava aberturas pelas quais o defensor lançava sobre o atacante toda a sorte de projéteis.
(Autor: Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, 23-11-1988. Sem revisão do autor. Catolicismo, dezembro 1998).
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