Le Notre: jardins do castelo de Versailles |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Nascido em Paris numa família de jardineiros (seu pai Jean era o superintendente dos jardins do palácio das Tulherias, como já o fora seu avô Pierre), André estudou arquitetura e pintura na escola do Louvre, entrando depois no atelier de Simon Vouet, pintor da corte de Luiz XIII, onde aprendeu sobretudo a arte da perspectiva.
O jardineiro enobrecido
Em 1635 foi nomeado superintendente do duque Gastão d’Orleans, irmão do Rei, e, depois, superintendente dos jardins das Tulherias, sucedendo a seu pai.
Nomeado por Luiz XIV Superintendente Geral dos Jardins Reais, a partir de 1657 assumiu também a Controladoria Geral dos Reais Palácios. Seguindo uma antiga tradição, em 1675 o Rei Sol lhe conferiu um título de nobreza, em reconhecimento pelos seus talentos artísticos.
Le Nôtre projetou os jardins de muitos dos mais famosos castelos e palácios da França e do mundo: Fontainebleau, Saint-Germain-en-Laye, Saint-Cloud, Chantilly e outros.
André Le Notre, jardinheiro do rei |
Suas obras-primas são, sem dúvida, os jardins do palácio de Vaux-le-Vicomte, pertencente a Nicolas Fouquet, ministro das finanças de Luiz XIV e, especialmente, os jardins do Palácio de Versalhes, onde a arte da jardinagem atingiu um auge nunca superado.
“Dominai a terra” (Gn 1,28)
A arte de Le Nôtre nos leva a uma reflexão não só cultural, mas também teológica. No início dos tempos Deus criou o universo material e nele colocou o homem, dando-lhe uma ordem explicita: “Enchei a terra e sujeitai-a ao vosso domínio” (Gênesis 1,28).
Mas, por assim dizer, deixou a criação a meias, ou seja, após ter criado o universo do nada e de fazer essa obra-prima que é o homem, confiou a este a tarefa de continuar seu divino trabalho pela criação, com base nos seres já existentes, de novas realidades que refletissem a beleza infinita de Deus.
É por isso que Dante Alighieri disse com propriedade que se as criaturas são filhas de Deus, as obras de arte são suas netas.
Todo o universo reflete as perfeições divinas. O homem não pode conhecer a Deus diretamente nesta Terra, mas pode ver o reflexo divino na criação e, assim, elevar-se até Ele. É a contemplação.
Deus concedeu ao homem a capacidade de tomar elementos da criação e trabalhá-los para criar, por sua vez, obras que reflitam as perfeições divinas. É assim que o homem se tornou capaz de pegar um pedaço de mármore e transformá-lo em uma estátua. Ou de acumular pedras de modo a construir um castelo ou uma catedral. Ou ainda de manipular pigmentos para fazer um quadro. Criando beleza, o homem dá glória a Deus.
“Em Le Nôtre a sensibilidade é canalizada e trabalhada pela inteligência— diz o historiador Erik Orsenna. Os jardins conhecidos como ‘à francesa’ não são frios e geométricos. Longe disso! São lugares de criatividade e imaginação, mas sempre em diálogo com a inteligência, que domina” (Entrevista, “Le Figaro”, Hors Série, outubro de 2013, p. 50).
Le Notre: jardins do castelo de Vaux-le-Vicomte |
“O jardim de Le Nôtre é o domínio da inteligência sobre a pura sensibilidade, é o triunfo do inteligível. Ele tem um sentido e uma beleza real — escreve Henri Régnier. O jardim de Le Nôtre satisfaz o espírito juntamente com a vista. Além do prazer dos sentidos,
“Le Nôtre faz com que o jardim também responda à nossa necessidade espiritual de simetria e regularidade. Um jardim não deve ser deixado ao sopro da imaginação fértil, mas deve também favorecer o pensamento.
“Ele deve fornecer uma idéia de grandeza, dignidade e razão. Precisamente porque tal jardim é feito de acordo com estes princípios é que ele é nobre, inteligível, ordenado, e pode ser chamado de ‘clássico’ do mesmo modo que uma tragédia de Racine ou uma obra de Bossuet” (Henri de Régnier, Portraits et souvenirs, Paris 1913).
O papel inspirador da nobreza
Le Nôtre foi capaz de realizar essas maravilhas porque tinha diante de si o modelo de uma resplandecente monarquia. Nascido numa casa que a família possuía nos jardins das Tulherias, ele cresceu contemplando a Família Real e a alta nobreza.
Le Notre: jardins do castelo de Chantilly |
Perguntado sobre por que não existem hoje mais artistas como nos velhos tempos, um conhecido crítico de arte italiano respondeu que uma das causas é a falta de nobres que os inspirem.
Falta uma verdadeira nobreza que busque a beleza e a perfeição em todas as esferas da vida social, que eleve atrás de si as classes mais modestas, e acima de tudo os artistas.
Eis um aspecto muito importante do frisante papel social da nobreza que hoje, infelizmente, tende a desaparecer.
(Autor: Julio Loredo. CATOLICISMO, janeiro 2014).
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