quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

O primeiro esboço de castelo apareceu sem Estado, quando a família era o último reduto.

Chaumont-sur-Loire, no vale do Loire, França.
Chaumont-sur-Loire, no vale do Loire, França.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








No caos produzido pela decomposição do Estado após as invasões bárbaras, a família virou o último reduto dos homens.

A vida social se encerra no lar, pequena sociedade a princípio isolada, mas vizinha de outras iguais a ela, que aos poucos vão se agrupando para formar as primeiras coletividades.

Os homens que se revelam mais capazes tomam naturalmente a direção, capitaneiam a reação ante a natureza e os inimigos, organizam a defesa, a vida comum.

A hierarquia social renasce espontaneamente e a autoridade ressurge, numa comunidade formada por famílias, e que é por sua vez uma família maior, na qual o chefe será um pai comum que velará sobre todos.

O castelo primitivo, ou "Motte" na França era feita de toras. Desenho de Viollet-le-Duc.
O castelo primitivo, chamado de "Motte" na França era feito de toras.
Desenho de Viollet-le-Duc.
Este pequeno Estado familiar vive na “motte”, primeiro esboço do castelo, onde se alojam homens e animais, onde se guardam instrumentos de trabalho, colheitas e armas, moradia da família em tempos de paz e seu refúgio seguro em caso de perigo.

Desenhos de Viollet-le-Duc representam a “motte” típica.

Externamente é defendida por uma palissada de mourões pontiagudos e por um fosso com água, sobre o qual se baixa uma ponte levadiça.

Dentro estão as casas dos companheiros e servidores, os estábulos, celeiros e depósitos.

Ao centro uma elevação de terra, sobre a qual se ergue uma construção de madeira, em forma de torre — o “donjon” ou torre de menagem, a residência do chefe, do senhor.

Compõe-se de três andares, dos quais um ocupado pelo celeiro, outro pelas salas de estar e de dormir, e o terceiro, o mais alto, utilizado para posto de observação.

A torre servia para controlar o acesso ao castelo. Castelo de Chenonceaux, Loire, França
A torre servia para controlar o acesso ao castelo.
Ao lado, o fosso defensivo.
Castelo de Chenonceaux, Loire, França

Ali o vigia passa os dias perscrutando o horizonte. Se pressentir algum perigo, dará o alarma, para que todos se recolham para dentro da “motte” e de lá organizem a defesa.

Se o ataque chegar a romper a palissada, ainda haverá o recurso de se refugiarem na torre de menagem — protegida por um segundo fosso com água, e com sua própria ponte levadiça — e de dentro dela continuarem a resistir.

A descrição ficaria incompleta sem uma referência aos “túmulos” (pequenos montes de terra colocados fora do fosso, como primeira linha de defesa) e ao círculo de pedras que delimita o espaço reservado às assembléias, nas quais, sob a direção do chefe, se tomam as deliberações mais importantes.

Neste pequeno mundo autônomo e auto-suficiente, o chefe é a suprema autoridade, é quem organiza o trabalho e a defesa. Ele é chamado “sire”, e sua esposa, “dame”.

O grupo aos poucos toma o seu nome.

A vida é simples e frugal. Cultivam-se as terras ao redor, e uma indústria rudimentar, doméstica, fabrica todo o necessário para a subsistência e também para proporcionar algum conforto.

Não há comércio. Só aos poucos começarão as trocas com os vizinhos. O homem cresce, trabalha, ama, sofre e morre no próprio lugar onde nasceu.

Esta família ampliada é para seus membros a verdadeira pátria. Cada um a ama com amor vivo, porque a vê toda inteira ao seu redor, porque sente diretamente sua força, sua beleza, sua doçura.

Castelo de Pichon Lalande. O castelo também tem uma dimensão familiar.
Castelo de Pichon Lalande. O castelo também tem uma dimensão familiar.
Ela lhe proporciona uma proteção sólida e indispensável.

Sem ela ele não sobreviveria, pois o mundo exterior é inimigo.

Nascem assim sentimentos profundos de solidariedade entre os membros.

A prosperidade de uns beneficiará os outros, a honra de uns será honra dos demais, a desonra de um recairá sobre todos. Estes sentimentos se fortalecerão à medida que a família crescer e progredir.

(Fonte: “Catolicismo”, nº 57, setembro de 1955)

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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

BLED: delicadeza e força : feliz união da Igreja e o Estado

Bled: feliz concórdia entre a Igreja e o Estado católico
Bled: feliz concórdia entre a Igreja e o Estado católico
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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O lago alpino de Bled, no noroeste da Eslovênia, encerra tesouros da natureza, da civilização e do catolicismo.

O mistério religioso bom e o requinte cultural racional se associam num panorama natural extremamente sugestivo.

De acordo com os escritos mais antigos conhecidos, o primeiro aldeamento humano já existia em 1004. 

O nome do local é anterior às próprias origens eslavas da Eslovênia.

Bled pertenceu à “marca” de Carniola, concedida naquele ano pelo imperador Santo Henrique II ao bispo Albuíno de Brixen.

A “marca” era um feudo militar criado habitualmente numa área fronteiriça ameaçada ou vulnerável.

Naquela época, a ameaça procedia sempre dos povos bárbaros ou dos muçulmanos.

Origem do castelo

O “marquês” — chefe da “marca” – tinha a incumbência principal de defender o feudo de espada em punho. Foi nesses tempos e circunstancias que nasceu o imponente e aparentemente inexpugnável castelo de Bled.

Situado nos bordes de um precipício sobre o lago, ele impressiona pela sua inacessibilidade e austeridade. Mas, estas eram virtudes para os fundadores e os residentes dos primitivos castelos.

Bled: precipício é garantia de defesa
Bled: precipício é garantia de defesa
A população vizinha contribuía para que os castelos fossem construídos assim, pois lhe serviriam de refúgio caso os inimigos da civilização e do cristianismo invadissem a região.

Ela se defenderia nele, sob a liderança de belicosos senhores.

No caso, o nobre senhor do castelo de Bled era um bispo.

Não era estranho naquela época que os prelados pegassem em armas contra os inimigos do povo de Deus.

Ainda não havia aparecido o ecumenismo fajuto que não visa a converter os não batizados, mas tão-só a lhes abrir as portas, pondo em grave risco a cultura e a própria Igreja.

Após o bispo Albuíno, o imperador Santo Henrique II doou a “marca” ou marquesado para o seu sucessor na diocese, o bispo Adalberão de Brixen.

Porém, na tarefa de pacificação da Idade Média, a Santa Sé, tirou prudentemente os eclesiásticos da guerra.

E o castelo passou para nobres leigos.

O marquesado de Carniola com seu castelo de Bled passou assim ao duque Rodolfo de Habsburgo como prêmio de sua vitória sobre o rei Ottokar II da Boêmia, na batalha de Marchfel em 1278.

De 1364 a 1919, ou seja, até o fim do Império Austro-Húngaro, Bled fez parte do ducado de Carniola, salvo num breve período entre 1809 e 1816, quando a Europa sofreu os rearranjos geográficos espúrios e caprichosos de Napoleão Bonaparte.

O Santuário na ilha

O castelo ergue sua figura militar sobre um belíssimo lago muito procurado pelos visitantes de bom gosto.
A ilha santuário tendo ao fundo, no alto, o castelo
A ilha santuário tendo ao fundo, no alto, o castelo

Nesse lago há uma ilhota onde sobressai a esbelta e delicada torre da Igreja da Assunção de Maria, local de peregrinação.

O som de seus sinos, segundo os moradores, traz sempre um bom prenúncio.

Antes da ereção dessa igreja, os pagãos cultuavam no local uma deusa lasciva e torpe.

À ilha só se chega hoje de lancha, que ancora aos pés de uma grande escadaria de 99 degraus através da qual se ascender ao santuário em honra da gloriosa Assunção ao Céu de Nossa Senhora, a Virgem Imaculada.

Feliz concórdia entre a Igreja e o Estado

Bled: pátio interior do castelo
Bled: pátio interior do castelo
Enquanto o castelo representa a força, o perigo e a determinação de resistir qualquer ataque, o santuário encarna a delicadeza, a segurança e o aconchego, o movimento suave e maravilhoso para o Céu.

O santuário de Nossa Senhora não poderia existir com essa segurança e despreocupação se o castelo não estivesse aí para defender toda a região.

E o castelo ficaria um pouco tosco e pesado se não tivesse a seu lado a jóia da ilha com a sua igreja da Assunção.

Assim é a boa união que num ambiente católico deve haver entre a Igreja e o Estado.

Bled: no inverno, o mistério envolve o lago
Bled: no inverno, o mistério envolve o lago
O Estado católico protege a Igreja e esta abençoa e faz descer dos céus as graças que com um charme discreto amenizam as formas materiais do Estado.

No inverno, uma densa bruma envolve o lago de Bled, quase tirando a vista do formidável castelo e da delicada ilha-santuário.

O mistério toma conta do ambiente. Mas trata-se de um mistério bom, o qual convida a considerar os grandes mistérios da religião católica.

O lago passa então a constituir um ambiente quase de conto de fadas.

Se não existisse esse feliz consórcio entre o Estado e a Igreja representado pela fortaleza e pelo santuário de Bled, a realidade seria outra.

Por certo, pesada, ameaçadora e malfazeja.



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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

PIERREFONDS: triunfo do verdadeiro progresso

Pierrefonds uma restauração que foi um progresso na linha medieval
Uma restauração que foi um progresso na linha medieval
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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O Castelo de Pierrefonds é um imponente palácio fortificado, situado no bordo sudeste da Floresta de Compiègne, a norte de Paris, no departamento de Oise.

Ele apresenta a maior parte das características defensivas da Idade Média.

No século XII, já se elevava um castelo no lugar dito de "le Rocher" de Pierrefonds (O Rochedo de Pierrefonds).

Em 1392, o Rei Carlos VI dá-lo a seu irmão Luís de Valois, Duque de Orléans.

Este último oferece o castelo original às Irmãs do Santo Suplício e, de 1393 à sua morte em 1407, faz construir um novo edifício pelo arquiteto da Corte, Jean le Noir, na localização atual.

No reinado de Luis XIII, o castelo ficou na propriedade de François-Annibal d'Estrées que se engajou numa rebelião do "Partido dos Descontentes".

O palácio acabou sendo invadido pelas tropas do Cardeal Richelieu, Secretário de Estado da Guerra.

Pierrefonds sala dos Heróis
Pierrefonds: a sala dos Heróis
A ordem foi desmantela-lo, mas era tão grande que a tarefa não foi completada.

As fortificações exteriores foram arrasadas, as caras destruídas e foram praticadas sangrias nas torres e nas muralhas.

O palácio ficou em ruínas durante dois séculos.

Ao longo do século XIX, houve uma redescoberta da arquitetura da Idade Média.

Napoleão III mandou em 1857 o arquiteto Eugène Viollet-le-Duc empreender o seu restauro.

O restauro devia limitar-se a uma simples recuperação das partes habitáveis conservando as ruínas "pitorescas" como decoração.

Porém, o desejo social e cultural de recuperar essa joia medieval, levou o passageiro imperador a mandar fazer uma residência imperial.

Os trabalhos de reconstrução foram empreendidos com ardor por Viollet-le-Duc até sua morte.

Viollet-le-Duc foi além da mera recuperação histórica. Embora imensamente erudito, ele fez mais um palácio de fábula imaginando como terá sido sem se basear estritamente na história do edifício.

Reconhece-se na arquitetura exterior recuperada, os excelentes conhecimentos que tinha da arte do século XIV.

O genial restaurador cuidou do parque como e das fortificações, dando livre curso à sua inspiração muito pessoal, e sendo muito criticado pelos rigoristas amantes de velhos papéis.

Pierrefonds vista aérea
Pierrefonds: vista aérea
Viollet-le-Duc fez de Pierrefonds uma de suas mais amadas e triunfantes realizações. Após sua morte antes do fim das obras, seu estilo foi preservado até terminar a construção.

O castelo nunca voltou a ser habitado.

Os detratores reprovaram a reinvenção de uma arquitetura neo-medieval, mas ficaram vencidos pelo feliz resultado.

Viollet-le-Duc fez mostra nesta reconstrução de um extraordinário sentido de elevação e de volumetria e de uma incontestável sensibilidade do local, de um conhecimento do espírito medieval em sua glória.

Ele venceu um espírito meramente arqueológico e, como os medievais outrora, aproveitou a reconstrução para dar uma passo para frente no sentido da tradição, do requinte e da perfeição.




Vídeo: Pierrefonds, um castelo e seu sonho







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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Torre de um mosteiro-fortaleza evoca heroísmo

Mosteiro de Rodilla, Burgos, Espanha
Luis Dufaur
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Do castelo do Mosteiro de Rodilla (construído no século X, na região de Burgos, na Espanha) restou apenas uma torre sobre uma elevação.

É inegável que o fotógrafo focalizou um ângulo que causa uma impressão de heroísmo verdadeiramente sublime.

Por que provoca tal impressão? Um mosteiro não foi construído para se rezar?

Como então ele tem uma torre combativa como essa?

Que sentido tem um mosteiro-torre? Um mosteiro-fortaleza não é algo irreal?

A resposta é simples.

Devido às guerras que a Espanha teve de enfrentar – guerras de religião de maometanos-árabes contra católicos –, os mosteiros eram ferozmente atacados pelos muçulmanos, porque eles queriam exterminar a religião católica.

Tais mosteiros muitas vezes estavam situados no campo, pois os monges queriam viver em recolhimento, longe das cidades.

E para tal objetivo, precisavam viver protegidos dos ataques dos infiéis. Daí a construção de mosteiros-fortalezas.

Eram verdadeiras fortalezas, defendidas por monges obrigados pelas exigências a serem monges-guerreiros.

Suas mãos, muitas vezes ungidas, seguravam o cálice, o rosário, benziam, ministravam os sacramentos, davam absolvição — eram mãos símbolos de bênção e de paz.

Entretanto, se de longe eles vislumbravam os maometanos — o risco de vida evidente, assim como risco de profanação dos lugares sagrados, de violação das mulheres das redondezas —, era então a hora da coragem, aquelas mãos empunhavam a espada.

A torre tem qualquer coisa de heroico. Sólida e grossa para resistir a toda espécie de ataques, essa torre de combate como que brada: “Aqui estou, daqui ninguém me tira, resistirei a tudo!”

Ela é testemunha de gloriosas e antigas batalhas, de uma missão histórica esplendidamente realizada; uma lembrança do passado, quase uma relíquia abençoada pelo Céu.

O fotógrafo foi feliz ao registrar, com muito senso artístico, o movimento das nuvens acima da torre.

Tem-se a impressão de que a luz avança por esse céu cheio de nuvens, ilumina e cobre a construção com uma espécie de auréola — símbolo do amor de Deus que paira e ajuda a compreender a alta expressão moral da torre.

Para se sentir bem ao vivo o quanto as inovações do nosso século têm de degradante, imaginem junto à torre, por exemplo, um jipe... A simples presença de tal veículo estragaria o panorama, como que insultaria a torre.

Aliás, qualquer máquina moderna — um trator ou mesmo um lindo Mercedes Benz ou um Rolls Royce — não ficaria bem perto dessa torre.

A marca mecânica de nosso século não se compagina com esse panorama heroico.


(Autor: Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, 5/6/1984. Sem revisão do autor, en CATOLICISMO, setembro 2011).




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