terça-feira, 1 de setembro de 2015

Saumur: o banquete que passou para a História




Num famoso livro de “Orações do Duque de Berry” é representado o castelo francês de Saumur, sobre o rio Loire.

Infelizmente ele foi arrasado nas guerras de religião movidas pelos protestantes calvinistas.

Acabou em ruínas esquecido no período que medeia o fim da Idade Média e passando pela Revolução Francesa chega até nossos dias.

Em décadas recentes, Saumur foi objeto de uma restauração, mas que até agora não conseguiu atingir o nível que teve durante a Idade Média.

É um dos mais belos da Idade Média e um daqueles em que a alma da Idade Média melhor se exprime e melhor se representa.

Saumur foi símbolo de uma época, e de um estilo de viver que associava em feliz consórcio nobres e camponeses, ricos e pobres, todos eles profundamente católicos.

Nele aconteceu um famoso festim oferecido por um rei santo: São Luís IX.

O banquete de Saumur


Em 1237, quando São Luís era um rei muito novo investiu seu irmão Afonso como conde de Poitiers, um riquíssimo, brilhante e populoso feudo.



Lá germinava, infelizmente, um ninho de revoltas da nobreza local!

Atiçados pelo rei Henrique III, da Inglaterra, que sonhava ser rei da França, os senhores feudais não cessavam de fazer intrigas.

Já germinava a discórdia que desfecharia na guerra dos Cem Anos.

Os intrigantes haviam motejado o jovem monarca como “rei dos monges”, como “devoto” incapaz de defender sua herança.

Esta iluminura posterior nos dá uma certa ideia do banquete real
Esta iluminura posterior nos dá uma certa ideia do banquete real
São Luís IX quis conferir à investidura do irmão um caráter oficial e solene. As festas incluíram um famoso banquete em Saumur e foram descritas por Joinville, autor de uma inigualável biografia do rei santo e espécie de primeiro-ministro do conde de Champagne, um dos mais poderosos, ricos e autônomos senhores da França.

— “O rei reuniu uma grande Corte em Anjou. Eu estava lá e dou testemunho que foi a melhor ordenada que já vi”.

E após descrever os grandes homens do reino sentados à mesa em suas brilhantes roupagens, prossegue:

“Atrás deles havia bem aproximadamente 30 cavaleiros vestidos com túnicas de seda que os protegiam. E, por trás dos cavaleiros, um grande número de lacaios com as armas do conde de Poitiers bordadas sobre tafetá.

“O rei estava vestido com uma túnica de seda bordada de cor azul, tendo por cima um manto de seda vermelha bordada e forrada de arminho, com um chapéu de algodão sobre a cabeça, o qual, aliás, não lhe ficava muito mal!!!, porque ele era jovem”.

Assim se apresentou o terceiro franciscano que ia descalço nas procissões, pois assim o exigiam o bem da ordem política e social, a harmonia da ordem cristã, a vocação e o cargo que Deus lhe deu.

Mas, por detrás da deslumbrante festa crepitava o drama.

Com as cerimônias, São Luís quis patentear seu poder supremo sobre o feudo. Mas os insubordinados senhores locais interpretaram-na como provocação e tiraram pretexto para revolta.

Na vitória de Taillebourg, São Luís se afirmou como rei inconteste da França
Com a vitória de Taillebourg, São Luís se afirmou como rei inconteste da França.
Eugène Delacroix, Museu de Versailles
O chefe dos dissidentes era Hugues de Lusignan, conde de la Marche, que a exemplo de Iscariote à mesa com Jesus na Última Ceia, estava sentado à mesa do rei. E seu suserano era o rei da Inglaterra, Henrique III.

A murmuração correu como rastilho de pólvora: São Luís queria usurpar os direitos do rei inglês. A prova? O festim e a nomeação de seu irmão como conde de Poitou!

Louco de raiva, Hugues de Lusignan abandonou Saumur às pressas, prometeu repudiar a vassalagem ao rei da França e montou uma liga militar contra a Coroa.

O rei da Inglaterra garantiu-lhe tropas que viriam por mar. Os amotinados aguardavam reforços da Espanha e o ataque do imperador alemão, que surpreenderia o rei francês pelas costas.

São Luís não se descuidou: estava perfeitamente informado dos planos, tratativas e reuniões secretas dos adversários. E antes de as tropas inglesas desembarcarem, empreendeu a ofensiva!

Os castelos de Hugues de Lusignan capitularam um após outro. E quando o rei inglês pôs o pé em terra com seu exército, era tarde demais. Ele, porém, ousou enfrentar o “rei devoto”.

O choque se deu em Taillebourg, em 1242, batalha completada em Saintes. A carga de cavalaria conduzida pelo santo sobre um soberbo cavalo branco decidiu a batalha e mudou os rumos da Europa feudal.

Saumur se espelha majestosamente nas águas do rio Loire.
Saumur se espelha majestosamente
nas águas do rio Loire.
“Luís — narra o historiador Henri Pourrat (Les Saints de France, Editions Contemporaines Boivin, 1951.) —, à testa de somente oito homens de armas, lançou-se sobre a ponte de Chernete e sustentou o embate de mil ingleses, até o momento em que sua gente chegou, entusiasmada com o feito do rei”.

Séculos depois, o pintor Delacroix imortalizou a façanha. Pouco faltou para o rei inglês cair prisioneiro. A partir de Taillebourg, a Europa ficou sabendo que esse rei dos monges manejava a espada com implacável maestria.

Esplêndido vencedor, São Luís manifestou magnanimidade, inteligência, tato político e visão histórica que impressionaram a Europa feudal.

Seus conselheiros quiseram convencê-lo a despojar os vencidos. O santo reafirmou que isso estava no seu direito, mas não pediu senão aquilo que julgou politicamente inteligente.

Ao rei inglês derrotado cedeu as regiões francesas de Limousin, Périgord, Agenais, Saintonge e parte de Quercy, com a condição de tornar-se seu vassalo mediante o sagrado juramento de vassalagem. Luís IX quis firmar os laços de amor entre os filhos de ambas as coroas.

O rei da Inglaterra passou a lhe prestar as homenagens de um subordinado. Assim fazendo, a Guerra dos Cem Anos ficou adiada de um século.

Ao conde Hugues de Lusignan, chefe dos revoltosos, o rei perdoou um terço dos bens. Retirando-se para suas terras, morreu de desgosto.

Era num contexto de palácio como o de Saumur que giravam os grandes assuntos dos países.

Nos castelos evoluíam almas boas e más. Mas prevaleciam as boas, como São Luís, e eles imprimiam o estilo dos castelos.

Hoje, os personagens públicos são outros e os locais de governo são bem diversos. Sem dúvida neles há maus. Há bons?

Uma coisa é certa os prédios de governo que eles constroem muitas vezes são chatos ou medonhos e, se tem histórias para nos contar, podem ser banais ou sórdidas.



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Um comentário:

  1. Joana Benedita de Lima Moraes3 de setembro de 2015 às 18:44

    Nossa!!! Muito legal! Lindo, muito lindo!

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