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Jardins do castelo de Sceaux |
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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs
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continuação do post anterior: Castelos e jardins: encontro da cultura e da natureza modelada segundo o Paraíso — 1
Conta-se que, filho e neto de bons jardineiros, André Le Nôtre viu pela primeira vez Luís XIV no jardim do Louvre quando o rei tinha cinco anos e correu para abraçá-lo e osculá-lo.
No fim da vida, o mesmo rei convidou-o para deambularem juntos, cada um numa chaise carregada por guardas suíços pelos jardins de Marly-le-Roi, rodeados por muitos cortesãos ... a pé.
“Ele tinha uma probidade, uma precisão e uma retidão que faziam com que todo o mundo o estimasse e amasse”, escreveu dele o duque de Saint-Simon, brilhante mais exigentíssimo memorialista.
Le Nôtre, porém, se definia como um “pobre jardineiro”, tendo recusado o título de nobreza que Luís XIV quis lhe conceder.
Também teve que penar para evitar a inveja de certos cortesãos, mostrando sempre uma modéstia e uma prudência extrema aliadas a uma piedade católica ostensiva.
Detalhe menor, mas importante: Le Nôtre acumulou uma imensa fortuna e foi um colecionador de obras de arte de raro seletivo e altíssimo valor.
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Versailles vista aérea dos jardins |
Conta-se que a chave da casa onde reunia essas custosas peças estava à disposição de quem quer quisesse visitá-la.
Na hora da morte, ele legou a seu amado rei as suas melhores obras.
Alta formação
Le Nôtre se formou em matemática e geometria, frequentou o mundo científico e trabalhou com artistas como Vouet, Poussin e até Bernini.
Ele utilizou os mesmos elementos que os outros jardineiros usam (canais, alamedas, cercas vivas, gramados, lagos artificiais, fontes), mas o fez como um artista formado nos melhores ateliers da época.
O apelativo de “ourives da terra” calhou perfeitamente, pois ele pegou a inexpressiva terra e a fez produzir joias.
Também soube associar, de modo inteiramente pessoal, o vegetal, o mineral e a água.
E combinou equilíbrio e elegância por trás de um traçado de simetria e harmonia perfeitas.
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Fonte de Apolo em Versailles: armonia de todos os elementos naturais |
Ele transformou um pântano mal-cheiroso no Grand Canal, fez de dezenas de hectares desnivelados imensos tapetes persas de vegetação no meio dos quais as árvores se ordenavam num minueto sublime.
Outras vezes, as árvores ficavam em colunas de soldados cobertos de rendas prestes a render armas ao maior rei da Terra, e onde as fontes pareciam escachoar diamantes líquidos.
Sua arte tirava da contemplação da perfeição divina impressa na natureza todas as potencialidades de beleza, ressaltando o contraste, o movimento, a simetria, o rigor e a ordem.
O tufão revolucionário contra ele
Le Nôtre fez triunfar a linha sobre o desalinho, o raciocínio sobre a improvisação, o espírito sobre a matéria.
Porém, atraiu a inveja e a oposição das novas tendências que louvavam a natureza espontânea entregue à sua própria desordem.
Tratava-se dos precursores do ecologismo que viriam a adotar as utopias de revolucionárias de Jean-Jacques Rousseau.
A Revolução Francesa pensou em arrasar os jardins de Versalhes e secar o Grand Canal para devolver ao povo as terras cultiváveis que lhe teriam sido tiradas.
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Esplendor das flores, formas e arte |
Em setembro de 1793, Charles Delacroix, comissário da Convenção, contemplando dos terraços os jardins, exclamou: “É preciso que o arado passe por aqui!” Uma reforma agrária à la MST!
Hoje, Alain Baraton, jardineiro chefe de Versalhes, considerando a admiração do povo pela obra de Le Nôtre, escreveu: “No fundo, os franceses são monarquistas!”
E não só os franceses, acrescentamos nós.
De fato, Le Nôtre montou ordenações aristocráticas feitas com o ‘povinho’ da vegetação e instituiu estruturas monárquicas em seus projetos paradisíacos.
Baraton acrescentou ao
“Le Figaro” que esse “monarquista” de hoje deseja introduzir um pouco de geometria em seu jardim, pois isso lhe dá a sensação de se conectar com a História da França.
Para o jardineiro chefe de Versalhes isso é especialmente verdadeiro num período caótico como o nosso, registrou
“Le Figaro”.
André Le Nôtre faleceu em 15 de setembro 1700.
Hoje um exército de jardineiros enlevados utilizando modernos recursos da tecnologia está restaurando os mais fabulosos projetos do “artesão do eterno”.
Video: Le Nôtre: o genial jardineiro
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