quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Os jardins do genial jardineiro

Le Notre jardins do castelo de Versailles
Le Notre: jardins do castelo de Versailles
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








Nascido em Paris numa família de jardineiros (seu pai Jean era o superintendente dos jardins do palácio das Tulherias, como já o fora seu avô Pierre), André estudou arquitetura e pintura na escola do Louvre, entrando depois no atelier de Simon Vouet, pintor da corte de Luiz XIII, onde aprendeu sobretudo a arte da perspectiva.

O jardineiro enobrecido

Em 1635 foi nomeado superintendente do duque Gastão d’Orleans, irmão do Rei, e, depois, superintendente dos jardins das Tulherias, sucedendo a seu pai.

Nomeado por Luiz XIV Superintendente Geral dos Jardins Reais, a partir de 1657 assumiu também a Controladoria Geral dos Reais Palácios. Seguindo uma antiga tradição, em 1675 o Rei Sol lhe conferiu um título de nobreza, em reconhecimento pelos seus talentos artísticos.

Le Nôtre projetou os jardins de muitos dos mais famosos castelos e palácios da França e do mundo: Fontainebleau, Saint-Germain-en-Laye, Saint-Cloud, Chantilly e outros.

André Le Notre, jardinheiro do rei
André Le Notre, jardinheiro do rei
Ele foi o criador da Avenue des Champs Elysées, em Paris, e também realizou projetos no exterior. A ele devemos o Greenwich Park, de Londres, bem como os jardins de Racconigi e Venaria Reale, em Turim.

Suas obras-primas são, sem dúvida, os jardins do palácio de Vaux-le-Vicomte, pertencente a Nicolas Fouquet, ministro das finanças de Luiz XIV e, especialmente, os jardins do Palácio de Versalhes, onde a arte da jardinagem atingiu um auge nunca superado.

“Dominai a terra” (Gn 1,28)

A arte de Le Nôtre nos leva a uma reflexão não só cultural, mas também teológica. No início dos tempos Deus criou o universo material e nele colocou o homem, dando-lhe uma ordem explicita: “Enchei a terra e sujeitai-a ao vosso domínio” (Gênesis 1,28).

Mas, por assim dizer, deixou a criação a meias, ou seja, após ter criado o universo do nada e de fazer essa obra-prima que é o homem, confiou a este a tarefa de continuar seu divino trabalho pela criação, com base nos seres já existentes, de novas realidades que refletissem a beleza infinita de Deus.

É por isso que Dante Alighieri disse com propriedade que se as criaturas são filhas de Deus, as obras de arte são suas netas.

Todo o universo reflete as perfeições divinas. O homem não pode conhecer a Deus diretamente nesta Terra, mas pode ver o reflexo divino na criação e, assim, elevar-se até Ele. É a contemplação.

Deus concedeu ao homem a capacidade de tomar elementos da criação e trabalhá-los para criar, por sua vez, obras que reflitam as perfeições divinas. É assim que o homem se tornou capaz de pegar um pedaço de mármore e transformá-lo em uma estátua. Ou de acumular pedras de modo a construir um castelo ou uma catedral. Ou ainda de manipular pigmentos para fazer um quadro. Criando beleza, o homem dá glória a Deus.

“Em Le Nôtre a sensibilidade é canalizada e trabalhada pela inteligência— diz o historiador Erik Orsenna. Os jardins conhecidos como ‘à francesa’ não são frios e geométricos. Longe disso! São lugares de criatividade e imaginação, mas sempre em diálogo com a inteligência, que domina” (Entrevista, “Le Figaro”, Hors Série, outubro de 2013, p. 50).

Le Notre jardins do castelo de Vaux-le-Vicomte
Le Notre: jardins do castelo de Vaux-le-Vicomte
Extasiamo-nos diante da natureza: uma floresta, um vale, uma montanha, um rio... Mas Deus nos concedeu sobretudo uma inteligência, a qual podemos e devemos aplicar a esses elementos para ordená-los e elevá-los a um grau superior de perfeição. É o caso dos jardins de André Le Nôtre.

“O jardim de Le Nôtre é o domínio da inteligência sobre a pura sensibilidade, é o triunfo do inteligível. Ele tem um sentido e uma beleza real — escreve Henri Régnier. O jardim de Le Nôtre satisfaz o espírito juntamente com a vista. Além do prazer dos sentidos,

“Le Nôtre faz com que o jardim também responda à nossa necessidade espiritual de simetria e regularidade. Um jardim não deve ser deixado ao sopro da imaginação fértil, mas deve também favorecer o pensamento.

“Ele deve fornecer uma idéia de grandeza, dignidade e razão. Precisamente porque tal jardim é feito de acordo com estes princípios é que ele é nobre, inteligível, ordenado, e pode ser chamado de ‘clássico’ do mesmo modo que uma tragédia de Racine ou uma obra de Bossuet” (Henri de Régnier, Portraits et souvenirs, Paris 1913).

O papel inspirador da nobreza

Le Nôtre foi capaz de realizar essas maravilhas porque tinha diante de si o modelo de uma resplandecente monarquia. Nascido numa casa que a família possuía nos jardins das Tulherias, ele cresceu contemplando a Família Real e a alta nobreza.

Le Notre jardins do castelo de Chantilly
Le Notre: jardins do castelo de Chantilly
E começou a conceber seus jardins porque conhecia os personagens que iriam passear por eles. Os jardins de Le Nôtre são a transposição para termos vegetais do espírito monárquico e aristocrático francês, levado a um auge por Luiz XIII, e sobretudo por Luiz XIV, tão esplendoroso que recebeu o nome de Rei Sol. Sem Luiz XIV não teria havido um Le Nôtre.

Perguntado sobre por que não existem hoje mais artistas como nos velhos tempos, um conhecido crítico de arte italiano respondeu que uma das causas é a falta de nobres que os inspirem.

Falta uma verdadeira nobreza que busque a beleza e a perfeição em todas as esferas da vida social, que eleve atrás de si as classes mais modestas, e acima de tudo os artistas.

Eis um aspecto muito importante do frisante papel social da nobreza que hoje, infelizmente, tende a desaparecer.

(Autor: Julio Loredo. CATOLICISMO, janeiro 2014).



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quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Altivez de CHEVERNY

Cheverny, fachada
Cheverny: castelo altivo, discreto, gracioso, cheio de história familiar
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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A altivez do castelo de Cheverny está no que ele tem de mais gracioso.

Ele como que sai de dentro de um mundo de delícias e de mistérios.

É como quem diz:  

“Forte eu sou, mas sobretudo eu me prezo de ser inteligente. Em última análise, sou completo. Sou dotado de inteligência e de força. Sou equilibrado”.

O Castelo de Cheverny fica no vale do Loire, na região de Sologne, comuna de Cheverny.

A matilha não avanca sobre o almoco enquanto não receber ordem.
Depois devora tudo num abrir e fechar de olhos
Atualmente também é célebre pela educadíssima – se assim se pode dizer – matilha de cães que participam regularmente de elegantes caçadas de veados feitas à cavalo.

As terras do castelo foram compradas por Henri Hurault, Conde de Cheverny, Tenente General dos Exércitos do Rei de França e Tesoureiro Militar do Rei Luís XI (1423 – 1483), do qual o proprietário atual, o Marquês de Vibraye, é descendente.

Entretanto, a propriedade do castelo passou por vicissitudes históricas, como todo castelo que se preza.

Cheverny, armadura
Interior do castelo
A Coroa se apropriou dele após denúncias de fraude, e o Rei Henrique II o doou à sua infame amante Diane de Poitiers.

Essa venal mulher preferia o castelo de Chenonceaux e vendeu a propriedade ao filho do primeiro proprietário, Philippe Hurault, que construiu o atual palácio entre 1624 e 1630.

A decoração foi acabada pela filha de Henri Hurault e de Marguerite, a Marquesa de Montglas, cerca de 1650.

Durante os cento e cinquenta anos seguintes, o palácio mudou muitas vezes de proprietário, mas em 1824, voltaria a ser comprado pela família Hurault.

Essa nobre família continua a habitar em Cheverny, tendo-o tornado num incontornável château do Loire.

Ele é famoso quer pelos seus magníficos interiores, quer pela sua coleção de objetos de arte e de tapeçarias.

O castelo é talvez um pouco discreto demais, mas foi realçado pela perspectiva.

Fica num grande parque, envolto por um simples, mas esplêndido tapete de esmeraldas para lhe servir de apresentação.

Ao longe, arvoredos formando a moldura.

A clareza e a lógica cercadas pelos imponderáveis: mais uma forma de equilíbrio.

Não é verdade que um dos prazeres da vida, que tornam a existência humana digna de ser cristãmente vivida, é analisar as coisas dessa forma?

Mas analisar com os olhos postos no Céu.

Porque esses são valores de espírito, e a civilização que os gerou foi cristã.

São assim, porque por eles foi derramado o precíossimo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.



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quarta-feira, 16 de outubro de 2024

VILA NOVA DO OURÉM: perfume da realidade primitiva, boa, reta e cheia de vida

Luis Dufaur
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Para quem experimenta encanto na análise do linguajar das nações, Vila Nova do Ourém é um nome delicioso! Delicioso no quê?

Talvez um português, nascido em Portugal, não sinta isso tão bem quanto um descendente de português, nascido do lado de cá do Atlântico.

O castelo remonta aos tempos do fundador de Portugal Dom Afonso Henriques e dos templários.

Segundo documento de 1180 o lugar se chamava em latim Auren.

No documento de doação do eclesiástico em 1183 por D. Teresa, filha de D. Afonso Henriques, o local onde foi construído o castelo anteriormente se chamava Abdegas.

“Aprouve-me fazer testamento do eclesiástico de Ourém, que antes se chamava Abdegas”, diz.

No foral de Leiria de 1142 o nome Ourém (Portus de Auren) aparece, pela primeira vez, e volta a aparecer em documentos de 1167 do bispo de Lisboa a Dom Afonso Henriques.

O núcleo histórico da cidade desenvolveu-se em torno do castelo que teve no tempo de D. Afonso IV, conde de Ourém, um período de grande desenvolvimento.

Ourém exprime o sabor e o perfume das realidades elementares, primitivas, boas, retas e cheias de vida.

Da terra, da pedra, do ferro, do leite recém-tirado de uma cabra, ovelha ou vaca, de uma rajada de vento carregado com cheiro de ervas.

Dessas coisas não trabalhadas, mas que contêm, em germe, civilizações. Magníficas, quando a civilização as trabalha. Mas, já desde o primeiro aspecto, atraentes e encantadoras, e que lucram muito e perdem um pouco quando a civilização as aperfeiçoa.

De maneira que, quando se as vê no estado natural, há um certo encanto próprio a uma realidade que se apalpa com as mãos, e um perfume bom, mas que o civilizado reputaria forte demais.

Vila é um lugar pequeno. Vila Nova do Ourém é um nome que sugere a existência de um passado antigo, em que é concebível ter havido uma vila velha, e depois uma vila nova, cujo acesso se dava por longa estrada do gênero caminho de cabra, substituída depois por alguma auto-estrada standard, que se percorre em poucos minutos.

Então, Vila Nova e Vila Velha tornaram-se subúrbios uma da outra, e ambas satélites de uma cidade enorme, localizada perto, que englobou todas as vilas. E, com isso, elas perderam seu encanto. Mas o nome ficou: Vila Nova do Ourém, Portugal!

Não conheço lugar onde o real se apresente de um modo tão carregado de cores, tão truculento e encantador como em Portugal.





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domingo, 6 de outubro de 2024

A abadia fortaleza do Monte Saint-Michel reluz após 13 séculos

Mais de treze séculos entre a feeria e a realidade
Mais de treze séculos entre a feeria e a realidade
Luis Dufaur
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Em 1º de maio, o santuário, abadia e fortaleza do Monte Saint-Michel comemorou seus 1.311 anos.

O Monte Saint-Michel (em francês Mont Saint-Michel) é uma ilha penhasco na foz do Rio Couesnon, sobre a qual foi construído um prédio singular.

Trata-se de uma síntese de fortaleza, abadia beneditina (abadia do Monte Saint-Michel) e santuário, fronteira exata entre as atuais regiões da Normandia e da Bretanha, França, mas integrando a Normandia.

A inspiração proveio de uma visão miraculosa e visou homenagear o arcanjo São Miguel que teria pedido a construção naquele local muito perigoso pelas marés que provocam vertiginosas mudanças no nível do mar.

Em 708, Dom Aubert, bispo de Avranches, mandou construir o santuário sobre o monte Tombe.

No século X os monges beneditinos instalaram-se na abadia e uma pequena vila cheia de charme foi-se formando aos seus pés. Até hoje é habitada e acolhe visitantes.

O claustro da abadia no topo do Mont Saint-Michel
O claustro da abadia no topo do Mont Saint-Michel
Seu antigo nome mencionado lá na lenda épica Chanson de Roland é “Monte Saint-Michel em perigo do mar” (Mons Sancti Michaeli in periculo mari).

O atual mosteiro foi fortificado no século XIII. Essa síntese de castelo, abadia e santuário tem alguns grandes correspondentes e centenas de outros menores.

Entre as maiores se destacam:

Aigues-Mortes, construída por São Luis IX, rei da Franca entre 1270-1276 como base de partida dos Cruzados rumo à Terra Santa;

Carcassonne, célebre por suas defesas visando impedir novas sublevações dos hereges cátaros; e

Avignon, sede do Papado contestatário na enorme confusão do Cisma de Ocidente, construída entre os anos 1309 a 1377.

A célebre estátua de São Miguel no topo da agulha.
A célebre estátua de São Miguel no topo da agulha.
Essas cidades fortificadas eram denominadas “bastides” e demarcavam a fronteira dos reinos ao final da Idade Média.

Foram construídas mais de 300 só na França, entre 1220 e 1350, e entre 1136 e 1270 aproximadamente em toda Europa.

Durante a Guerra dos Cem Anos, entre França e Inglaterra, os ingleses tentaram de toda maneira se apoderar da fortaleza.

Mas o Monte Saint-Michel foi inexpugnável, resistiu a todos os assaltos.

A destruição não podia vir do inimigo externo inglês.

Mas veio de dentro, do inimigo revolucionário, interno na França.

A Revolução Francesa ordenou a dissolução das ordens religiosas e até 1863 o Monte foi usado como vil prisão.

Quando o arquiteto Viollet-le-Duc – o mesmo que restaurou Notre Dame de Paris – iniciou a recuperação da fortaleza abadia, essa se achava na pior das ruínas.

A Revolução Francesa tinha-a transformado num cárcere do pior nível e no século XIX caia aos pedaços.

A igreja nunca fora refeita plenamente após devastador incêndio produzido por um raio.

A célebre agulha tinha desaparecido e mal se lembravam dela.

Mas, o arquiteto percebeu numa iluminura da coleção das Très Riches Heures du Duc de Berry uma belíssima agulha.

Vídeo: as marés no Mont Saint-Michel

Tal vez foi aprimorada pela imaginação maravilhada do copista medieval quem pintou um São Miguel Arcanjo revoando em torno dela com a espada desembainhada.

Viollet-le-Duc fez questão de transformar esse esplêndido sonho em realidade. E o realizou.

O famoso escultor Emmanuel Fremiet (1824-1910) a concretizou em cobre folhado a ouro.

Hoje a arquitetura prodigiosa do monte Saint-Michel é coroada por São Miguel no topo da agulha da igreja abacial que culmina a 170 metros de altura.

O monte se ligava ao continente através de um istmo natural que era coberto regularmente pelas marés altas, velozes e muito perigosas.

Vídeo: o maravilhoso mistério do Mont Saint-Michel

O acesso por barcas, cavalos ou charretes de imensas rodas era frequente.

Outra iniciativa para tirar o encanto da sede do príncipe da milícia celestial consistiu na criação de pastagens drenando as áreas inundáveis pelas altas marés e assoreando a baía.

Em 1879 o istmo tinha se tornado uma passagem seca perene.

Em 2006 o governo francês percebendo a monstruosidade feita ordenou remover as medidas anteriores e devolveu a insularidade à magnífica abadia.

Todo ano, mais de três milhões de pessoas vão visitar essa joia medieval.

Muitos vão em espírito de peregrinação religiosa marchando sobre as areias movediças imortalizadas por grandes literatos, inclusive ateus como Vitor Hugo.

Quando os prédios modernos atingem um certo número de anos ficam abandonados, sujos e decrépitos e só se pensa em demoli-los para fazer qualquer outra coisa em seu lugar.

Mas os prédios medievais quanto mais antigos mais inspiram veneração e desejo de resguardá-los, ainda que custe muito dinheiro.

É uma lição que o recente incêndio da catedral de Notre Dame de Paris veio nos lembrar.

É que eles são portadores de uma coisa que não tem prezo: a bênção e a unção sobrenatural da Civilização Cristã.

Acrescida, no caso do monte-abadia, da inegável ação de presença do general em chefe das milícias celestes, o Arcanjo São Miguel.



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