quarta-feira, 19 de abril de 2023

Palácio da Senhoria de Florença: seriedade e altivez

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








Durante muito tempo o Palácio senhorial de Florença foi a sede de governo de um pequeno Estado – o Grão-Ducado de Toscana, na Itália – que ocupou na cultura e no pensamento humano um lugar proeminente.

Foi uma grande potência do pensamento.

O palácio é típico do estilo florentino. Sua cor é bonita, o amarelado da pedra utilizada na construção apresenta aspecto agradável, nada mais do que isso.

Uma torre quadrada com relógio, janelas, algumas em forma ogival, outras puras perfurações na parede, destituídas de beleza especial.

Estamos habituados, na ótica moderna, à idéia de que a torre deve estar bem no meio do edifício.

Ali não. A torre fica um pouco mais para o lado direito da fachada.

E o relógio está colocado na base da torre, quando normalmente localizar-se-ia em sua parte superior das ameias, para ser visto pelo maior número de pessoas.

Constata-se a simplicidade do estilo do edifício, procurando-se nele uma porta de entrada monumental, que deveria ser proporcional à fachada principal. Ela não existe.

À frente de uma das janelas há um balcão. Dir-se-ia que um palácio tão grandioso comportaria um balcão mais bonito, mais elegante.

Igualmente este não se encontra no Edifício.

O estilo florentino é seco, quase lambido. Reflete a psicologia dos habitantes da cidade.

Esse edifício é belo? É lindo! Para meu gosto pessoal é extraordinário! Sério e altivo.

O modo pelo qual a torre ergue-se altaneira no corpo do palácio é extraordinário.

Uma palavra convém dizer sobre a fileira de arco que circundam a parte superior de todo o edifício.

Os arcos estão cobertos por um teto, com uma nota de suavidade, quase se diria doçura séria, hierática e agradável, que completa um pouco o que o palácio tem de seco.

Na realidade, tais arcos são grandes machicoulis* ornamentais, utilizados como elementos de adorno na arquitetura da época.

E merece ser ressaltado o bom gosto em colocar no interior de cada um dos arcos – formado pela conjugação de dois machicoulis ­­– um vistoso brasão.

Tais ornamentos constituem um fator de decoro da Praça do Palácio da Senhoria.

Imaginemos uma pessoa que sai de seu escritório à noite.

Ela deixou um pequeno carro qualquer estacionado junto ao Palácio.

Chove, ela sai com uma capa de chuva, fumando um cigarrinho ‒ ele já fumou 20 durante o dia ‒, cansada. Chega junto ao carro. Ela vê diariamente aqueles machicoulis.

Tal pessoa terá altura de alma para reter o passo e entreter-se na consideração do palácio?

Podemos imaginar dois modos de ser distintos.

Um é o do homem que está atolado no mundo moderno, gosta deste mundo e passa perto do palácio considerando-o uma coisa inoportuna.

Se ele olhar para o edifício, transferirá seu espírito das considerações sobre o seu ganha-pão, para considerações com as quais ele nada tem o que fazer.

O palácio ‒ para usar uma expressão italiana que freqüentemente me tem vindo ao ouvido ‒ é uma coisa “con la quale o senza la quale, il mondo va tale quale” (com a qual, ou sem a qual, o mundo segue tal e qual).

E esse homem, assim, torna-se ainda mais insensível ao palácio.

Se ele, pelo contrário, é dotado de mentalidade superior, distancia-se um pouco, apesar da chuva, e diz: “Vou descansar, olhando para esta beleza. Vou tomar um banho de espírito pensando nela, contemplando-a alguns instantes ...”

Entra no automovelzinho, dá um giro, recua um pouco e, enquanto acaba de fumar o seu cigarro, fica observando pela enésima vez em sua vida o Palácio da Senhoria.

E admira, por exemplo, as duas séries de pequenos machicoulis* e de ameias existentes na parte superior da torre...

Aquilo entranha-se na alma dele. Seu espírito torna-se mais rico, como um depósito de arte de algum modo insondável.

Os homens desse último gênero são incomparavelmente mais raros do que os do primeiro.

Eis aí uma explicação viva da insensibilidade, que é uma das tentações do homem moderno...

*Machicoulis: balcão de pedra construído no cimo das muralhas e das torres, na Idade Média, cujo fundo apresentava aberturas pelas quais o defensor lançava sobre o atacante toda a sorte de projéteis.

(Autor: Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, 23-11-1988. Sem revisão do autor. Catolicismo, dezembro 1998).


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quarta-feira, 5 de abril de 2023

Montreuil-Bellay: equilíbrio de belicosidade, beleza e … penitência!

Posto chave para um belicoso, pecador e penitente senhor feudal
Posto chave para um belicoso, pecador e penitente senhor feudal
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








O castelo de Montreuil-Bellay é uma das mais vastas construções medievais hoje subsistentes, embora muito reformado durante os séculos.

Ele se espraia com ufania no coração da cidade forte – quer dizer rodeada de muralhas – que leva seu mesmo nome.

Na origem do castelo encontramos um homem muito característico dos primeiros séculos medievais: Foulques Nerra (965/970-1040), duque d’Anjou.

Ele foi um personagem de temperamento violento e de uma energia pouco comum. Nele ainda fervia o sangue dos bárbaros não há muito batizados.

Passou para a história como “um dos batalhadores mais agitados da Idade Média”, segundo o historiador Achille Luchaire.

Fazendo jus ao próximo sangue bárbaro, Foulques foi cruel. Mas aqui encontramos uma diferença com o bandido moderno.

Foulques tinha também um coração amante e um enlevo de criança pela pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. E isso fez a diferença.

Já foi escrito que “seus remorsos estavam à altura de seus crimes”.

A sacralidade penetra a intimidade, trazendo a paz de Deus ao lar
A sacralidade penetra a intimidade, trazendo a paz de Deus ao lar
Enquanto o bandido moderno – e muitas vezes o não-bandido moderno – ostentam uma frieza assustadora, inumana até, diante do crime ostensivo ou dissimulado, Foulques chorava sincera e profundamente seus pecados.

Entre castelos para suas guerras e abadias para purgar suas ofensas a Deus, ele construiu por volta de cem prédios históricos, entre os quais o castelo de Montreuil-Bellay.

Talvez Foulques seja o personagem a quem o vale do Loire mais deve castelos e abadias.

Mais. Peregrinou três vezes à Terra Santa (em 1002, 1006 e 1038), em reparação pelas suas más ações.

Em sua última romaria a Jerusalém, dirigiu-se com o dorso nu até o Santo Sepulcro, enquanto dois de seus servidores, por ordem sua, flagelavam-no e bradavam: “Senhor, recebei o péssimo Foulques, conde d’Anjou, que Te traiu e renegou. Olha para sua alma arrependida, ó Senhor Jesus!”

Após inúmeras guerras, ereção de castelos e abadias, Foulques se extinguiu na paz de Deus na cidade de Metz, na França, voltando da romaria penitencial da Terra Santa que acabamos de mencionar.

Um dos raros castelos medievais que conservaram todas suas torres
Um dos raros castelos medievais que conservaram todas suas torres
Foi ele quem ordenou construir a primeira cidadela do que seria o castelo de Montreuil-Bellay sobre um outeiro romano, cuja defesa confiou a seu vassalo Giraud Bellay, de onde lhe vem o nome.

A família Bellay foi de uma fidelidade exemplar aos reis da França. Por isso, os reis Felipe-Augusto e Luis VIII, avô e pai respectivamente de São Luis IX, instalaram de passagem sua Corte no castelo, nos anos de 1208 e 1244.

Durante a guerra dos Cem Anos o castelo foi herdado sucessivamente pelas casas de Melun, Tancarville e Harcourt, esta descendente de antigos vikings.

Nesse período belicoso o castelo foi aumentado com diversas torres, além de 650 metros de muralhas e 13 torres defensivas, que vieram somar-se às enormes torres redondas e ponte levadiça.

No século XV, sua expansão – carregada de arte, mas de um desmedido desejo do gozo da vida decorrente da Renascença – promoveu uma reforma da poderosa fortaleza.

Muitas janelas foram abertas nos muros, e novas salas, salões de diversos tipos, quartos, salas de jantar e uma escadaria monumental foram introduzidos.

Em muitos castelos, nobres famílias cultuam um passado cheio de cristianismo
Em muitos castelos, nobres famílias cultuam o passado cristão
Além do mais, construiu-se a igreja da Collégiale Notre-Dame, dotada de instalações especiais para os cônegos que ali iam rezar o Oficio.

Todo esse passado heroico e essencialmente católico fizeram de Montreuil-Bellay um símbolo da fidelidade a Deus, ao rei e ao catolicismo.

Esse aspecto foi sublinhado por um fato que encolerizou os inimigos da Igreja e do trono. Durante a Revolução Francesa, o proprietário do castelo, Jean-Bretagne de La Trémoille, permaneceu fiel ao rei legítimo Luiz XVI.

Enfurecidos, os líderes revolucionários confiscaram o castelo e o transformaram numa prisão para mulheres monarquistas.

Após a tempestade revolucionária, por via de casamento, o castelo passou a ser propriedade da nobre família de Grandmaison, que até hoje fornece prefeitos para a cidade e algum senador para a França.

É preciso uma visão aérea para abarcar a enorme dimensão da fortaleza.

Mas não é só dimensão.

Montreuil-Bellay é um universo original que nos arranca da banalidade quotidiana. A surpreendente proliferação de torres – esguias e delicadas umas, massivas e atarracadas outras – desconcerta o visitante moderno, acostumado a prédios retangulares sem nenhum destaque.

E, desde o topo das torres, algumas janelas, talvez acrescentadas na Renascença, olham com desconfiança para quem chega.

Um bosque imprevisível de torres desafia a chatice moderna
Um bosque imprevisível de torres desafia a chatice moderna
No interior, a esplendida igreja de Nossa Senhora sente-se inteiramente à vontade nesse contexto nobre e belicoso.

Afinal, Nossa Senhora, segundo canta seu Ofício, é “terrível como um exército em ordem de batalha” contra Satanás e seus sequazes.

O castelo como que dá um abraço de filho à Igreja sua mãe, e faz-nos relembrar as comovedoras penitencias de seu fundador.

Pecado sempre houve e sempre haverá: é a triste condição deste vale de lágrimas.

Mas a penitência sincera, onde está?

A lembrança de Foulques e a harmonia profunda entre o Estado e a Igreja que encontramos exemplificada na arquitetura de Montreuil-Bellay oferecem um ponto de equilíbrio para os desterrados filhos de Eva.




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