domingo, 6 de outubro de 2024

A abadia fortaleza do Monte Saint-Michel reluz após 13 séculos

Mais de treze séculos entre a feeria e a realidade
Mais de treze séculos entre a feeria e a realidade
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Em 1º de maio, o santuário, abadia e fortaleza do Monte Saint-Michel comemorou seus 1.311 anos.

O Monte Saint-Michel (em francês Mont Saint-Michel) é uma ilha penhasco na foz do Rio Couesnon, sobre a qual foi construído um prédio singular.

Trata-se de uma síntese de fortaleza, abadia beneditina (abadia do Monte Saint-Michel) e santuário, fronteira exata entre as atuais regiões da Normandia e da Bretanha, França, mas integrando a Normandia.

A inspiração proveio de uma visão miraculosa e visou homenagear o arcanjo São Miguel que teria pedido a construção naquele local muito perigoso pelas marés que provocam vertiginosas mudanças no nível do mar.

Em 708, Dom Aubert, bispo de Avranches, mandou construir o santuário sobre o monte Tombe.

No século X os monges beneditinos instalaram-se na abadia e uma pequena vila cheia de charme foi-se formando aos seus pés. Até hoje é habitada e acolhe visitantes.

O claustro da abadia no topo do Mont Saint-Michel
O claustro da abadia no topo do Mont Saint-Michel
Seu antigo nome mencionado lá na lenda épica Chanson de Roland é “Monte Saint-Michel em perigo do mar” (Mons Sancti Michaeli in periculo mari).

O atual mosteiro foi fortificado no século XIII. Essa síntese de castelo, abadia e santuário tem alguns grandes correspondentes e centenas de outros menores.

Entre as maiores se destacam:

Aigues-Mortes, construída por São Luis IX, rei da Franca entre 1270-1276 como base de partida dos Cruzados rumo à Terra Santa;

Carcassonne, célebre por suas defesas visando impedir novas sublevações dos hereges cátaros; e

Avignon, sede do Papado contestatário na enorme confusão do Cisma de Ocidente, construída entre os anos 1309 a 1377.

A célebre estátua de São Miguel no topo da agulha.
A célebre estátua de São Miguel no topo da agulha.
Essas cidades fortificadas eram denominadas “bastides” e demarcavam a fronteira dos reinos ao final da Idade Média.

Foram construídas mais de 300 só na França, entre 1220 e 1350, e entre 1136 e 1270 aproximadamente em toda Europa.

Durante a Guerra dos Cem Anos, entre França e Inglaterra, os ingleses tentaram de toda maneira se apoderar da fortaleza.

Mas o Monte Saint-Michel foi inexpugnável, resistiu a todos os assaltos.

A destruição não podia vir do inimigo externo inglês.

Mas veio de dentro, do inimigo revolucionário, interno na França.

A Revolução Francesa ordenou a dissolução das ordens religiosas e até 1863 o Monte foi usado como vil prisão.

Quando o arquiteto Viollet-le-Duc – o mesmo que restaurou Notre Dame de Paris – iniciou a recuperação da fortaleza abadia, essa se achava na pior das ruínas.

A Revolução Francesa tinha-a transformado num cárcere do pior nível e no século XIX caia aos pedaços.

A igreja nunca fora refeita plenamente após devastador incêndio produzido por um raio.

A célebre agulha tinha desaparecido e mal se lembravam dela.

Mas, o arquiteto percebeu numa iluminura da coleção das Très Riches Heures du Duc de Berry uma belíssima agulha.

Vídeo: as marés no Mont Saint-Michel

Tal vez foi aprimorada pela imaginação maravilhada do copista medieval quem pintou um São Miguel Arcanjo revoando em torno dela com a espada desembainhada.

Viollet-le-Duc fez questão de transformar esse esplêndido sonho em realidade. E o realizou.

O famoso escultor Emmanuel Fremiet (1824-1910) a concretizou em cobre folhado a ouro.

Hoje a arquitetura prodigiosa do monte Saint-Michel é coroada por São Miguel no topo da agulha da igreja abacial que culmina a 170 metros de altura.

O monte se ligava ao continente através de um istmo natural que era coberto regularmente pelas marés altas, velozes e muito perigosas.

Vídeo: o maravilhoso mistério do Mont Saint-Michel

O acesso por barcas, cavalos ou charretes de imensas rodas era frequente.

Outra iniciativa para tirar o encanto da sede do príncipe da milícia celestial consistiu na criação de pastagens drenando as áreas inundáveis pelas altas marés e assoreando a baía.

Em 1879 o istmo tinha se tornado uma passagem seca perene.

Em 2006 o governo francês percebendo a monstruosidade feita ordenou remover as medidas anteriores e devolveu a insularidade à magnífica abadia.

Todo ano, mais de três milhões de pessoas vão visitar essa joia medieval.

Muitos vão em espírito de peregrinação religiosa marchando sobre as areias movediças imortalizadas por grandes literatos, inclusive ateus como Vitor Hugo.

Quando os prédios modernos atingem um certo número de anos ficam abandonados, sujos e decrépitos e só se pensa em demoli-los para fazer qualquer outra coisa em seu lugar.

Mas os prédios medievais quanto mais antigos mais inspiram veneração e desejo de resguardá-los, ainda que custe muito dinheiro.

É uma lição que o recente incêndio da catedral de Notre Dame de Paris veio nos lembrar.

É que eles são portadores de uma coisa que não tem prezo: a bênção e a unção sobrenatural da Civilização Cristã.

Acrescida, no caso do monte-abadia, da inegável ação de presença do general em chefe das milícias celestes, o Arcanjo São Miguel.



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quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Blois: castelo povoado de personagens e eventos históricos — 2

Sala dos Estados é a mais antiga sala gótica da França
Sala dos Estados é a mais antiga sala gótica da França
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
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continuação do post anterior: Blois: castelo povoado de personagens e eventos históricos — 1



A Sala dos Estados é a mais antiga sala gótica da França, destinada a uma finalidade temporal.

Foi Sala de Justiça dos condes de Blois, e depois albergou os Estados Gerais – espécie de Assembleia nacional extraordinária – em 1576 e 1588.

Era costume dos senhores feudais administrar justiça.

São Luis fazia-o embaixo de uma árvore famosa do bosque de Vincennes, então na periferia de Paris.

E se pudéssemos assistir em espírito a essa cena?

Capela do castelo de Blois
Capela do castelo de Blois
Posteriormente a nobreza foi transferindo o poder de julgar a uma categoria especial: a dos juízes.

E assim forma se especificando os poderes fundamentais da sociedade na Idade Média.

A torre circular de Foix é um dos vestígios da fortaleza medieval. Ela defendia o sul oeste do castelo.

No século XIII o castelo passou para a família de Châtillon, originária da Borgonha, que depois o passou para a família de Orléans.

Em 1429, antes de partir para liberar Orléans, Santa Joana de Arco se fez abençoar na capela do castelo pelo arcebispo de Reims, D. Renault de Chartres.

Quem lembrar desse fato ao visitar a capela tirará um suco especial da visita.

Vista aérea do castelo de Blois
Vista aérea do castelo de Blois
Em 1462, nasceu o futuro rei Luis XII e em 1498 o castelo medieval se tornou residência real. Luis XII o escolheu como sua residência principal. E assim ficou sendo durante o reinado da dinastia de Valois.

Louis XII reconstruiu-o em estilo gótico tardio, acrescentando a capela de Saint-Calais. Blois testemunhou grandes fatos nesse período: o casamento de César Borgia em 1499 e de Guilherme IX, marquês de Montferrat em 1508. Por ele passou também o famoso mais cínico Nicolau Machiavelo.

Sob Francisco I o castelo atingiu um auge de enriquecimento. Francisco I, porém foi um rei pomposo mais volúvel como o espírito da Renascença que abandonava o espírito medieval.

Porém, a decadência de costumes do Renascimento produziu funestos frutos.

Em 18 de outubro 1534, no castelo foram distribuídos panfletos protestantes contra a Missa católica, inclusive na porta do quarto do rei.

O fato marca o início das violências que culminariam nas guerras de religião.

Assassinato do duque de Guisa. Paul Delaroche (1797-1856), Musée Condé, Chantilly
Um quarto fala especialmente desse sombrio período histórico. É o próprio quarto do rei.

Nele, Enrique II – rei tudo penetrado das molezas e vilanias do espírito renascentista – fez assassinar ao duque de Guisa chefe do partido católico. No dia seguinte fez matar ao cardeal de Lorena, irmão do duque.

Conta-se que Enrique II cinicamente, contemplando o cadáver do duque de Guise que era muito alto, teria dito:

«Mon Dieu, qu'il est grand ! Il paraît même plus grand mort que vivant !» “Meu Deus, como ele é grande! Ele parece até mais grande morto do que vivo!”.

O castelo ficou como tocado pelo crime. Após as guerras de religião, Luis XIV se desinteressou por ele e Luis XVI pensou em destruí-lo logo antes da Revolução Francesa.

Mas, a destruição não chegou a se consumar e o castelo ficou quartel do Royal Comtois, um regimento de cavalaria, e após a Revolucao foi decaindo.





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quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Blois: castelo povoado de personagens e eventos históricos — 1

Pavilhão renacentista-medieval
Pavilhão renacentista-medieval
Luis Dufaur
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Os castelos condensam a história de sua região ou de seu país.

Os grandes fatos que neles se deram ficam registrados como num livro vivo aberto a todos que sabem lê-lo.

Eles mantêm os ambientes onde se passaram fatos memoráveis, bons ou maus, e como que estão habitados pela presença dos personagens que neles participaram.

É o caso do castelo real de Blois no vale do rio Loire, na França.

Estátua do rei Luis XII, na fachada do pátio interior
Durante o reinado de Carlos o Calvo, em 854, foi edificado o Blisum castrum — “o castelo de Blois” sobre a ribanceira do rio Loire, rio que divide a França pelo meio.

O motivo foi forte: a região era atacada pelos Vikings que entravam rio sdentro tudo devastando.

Quem hoje passa ao pé da fachada de pedra que dá para o rio pode imaginar esses furiosos vikings com seus cascos com chifres tentado escalá-la em luta com os defensores

A fortaleza ficava no cerne do feudo dos condes de Blois, poderosos senhores feudais dos séculos X e XI cujas terras iam desde Chartres até a Champagne.

O conde de Blois comandava a I Cruzada durante o cerco de Antioquia.

A situação da empresa militar, num certo momento, ficou muito difícil para os cruzados, eles estavam quase perdidos e o conde de Blois voltou para a França.

De retorno ao castelo, sua mulher Adelaide de Blois o expulsou de casa, e mandou-o voltar para a Cruzada.

Ele retornou para a Cruzada e morreu heroicamente na batalha de Ramla.

Dormitório da Rainha
Dormitório da Rainha
Ela, então, foi para convento de Massigny, da linha feminina de Cluny, e ficou monja beneditina e abadessa.

Era filha de Guilherme o Conquistador, que conquistou a Inglaterra. Ela era uma mulher virtuosíssima e incentivou muito o marido para ir à Primeira Cruzada.

Seria interessante passear pelas partes medievais imaginando esta singular “briga de casal”.

A primeira fortaleza, dita a “grande torre” foi erigida por Thibaud le Tricheur no século X.

Uma gravura de por volta de 1080, mostra a Thibaud III julgando “na fortaleza de Blois, no pátio posterior do castelo perto da torre”.

Continua no próximo post: Blois: castelo povoado de personagens e eventos históricos — 2



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quarta-feira, 24 de julho de 2024

TORRE de BELÉM: símbolo da vocação de Portugal

Luis Dufaur
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A Torre de Belém em Lisboa se ergue sozinha.

Ela não faz parte de nenhum corpo de edifício. Está isolada.

Ela é apenas uma torre?

É, mas é quase um palácio em forma de torre, porque ela é espaçosa.

Ela consta de quatro andares.

No quarto andar, resplandecente de luz, está o caminho da ronda.

A torre está cercada de um patamar grande com guaritas nos ângulos, para os vigias ficarem durante a tempestade; para disparar fogo contra quem se aproxima.

A idéia de guerra está altamente presente na torre.

Sempre que um homem, ou uma senhora, apresenta com vaidade sua própria dignidade, só obtém a antipatia.

Mas, sempre que ele está consciente de representar algo mais alto do que ele, aí ele se torna respeitável.

Porque os homens valemos na medida que representamos algo de Deus.

Os homens, uns pelos outros, nós não valemos nada.

Mas na medida das qualidades que Deus pôs em nós, como numa vitrina se pode colocar objetos, nessa medida nós valemos.

Normalmente, sem a graça de Deus não sai nada que preste.

De maneira que a graça de Deus está na raiz de tudo que resplandece a glória de Deus.

A Torre de Belém foi edificada no estuário do rio Tejo, em Lisboa, entre 1515 e 1520, no reinado de D. Manoel I. Ela impressiona pelo seu estilo gótico luso, cognominado manuelino.

Ela é um dos monumentos mais expressivos da alma portuguesa.

Ergue-se na margem direita do rio Tejo, onde existiu outrora a praia de Belém.

Inicialmente cercada pelas águas em todo o seu perímetro, progressivamente foi envolvida pela praia, até se incorporar hoje à terra firme.

O monumento é todo rodeado por decorações do Brasão de armas de Portugal, incluindo inscrições de cruzes da Ordem de Cristo.

Tais características remetem à arquitetura típica de uma época em que Portugal era uma potência global.

Ela foi eleita como uma das Sete maravilhas de Portugal em 7 de julho de 2007.

Originalmente sob a invocação de São Vicente de Zaragoza, padroeiro da cidade de Lisboa, recebeu no século XVI o nome de Baluarte de São Vicente além de Belém e Baluarte do Restelo.

A Torre integrava o plano defensivo da barra do rio Tejo projetado à época de João II de Portugal (1481-95), integrado na margem direita do rio pelo Baluarte de Cascais e, na esquerda, pelo Baluarte da Caparica.

Então, a atitude de verdadeira superioridade fala de oração. E a Torre de Belém fala de algo superior a ela.

Ela tem algo de orante, e orando de uma oração tão alta, que a gente pára diante dela e exclama: “Oh! Torre de Belém!”

A torre se ergue sozinha. Ela tem sobre ela apenas a abóbada celeste e mais nada.

Ela olha com superioridade natural tudo quanto está ao pé dela.

Ela é um reflexo da missão de Portugal.

Portugal, o que era naquele tempo?

Uma nação pequena, mas não pequena para a Península Ibérica onde a Espanha constava de uma porção de reinos que se uniram num reino maior do que Portugal.

Mas, de si, Portugal era igual ou maior do que muitos dos reinos da Espanha.

E durante toda a Idade Média ele pesou como potência ibérica.

Mas Portugal estava destinado a uma coisa muito mais alta.

Essa torre simboliza uma nação destinada a conquistar, a descobrir, a povoar e a assimilar a seu espírito e à sua civilização povos de uma vastidão enormemente maior do que a sua.

Basta pensar no Brasil, em Angola, Moçambique, a Índia.

Um misterioso vento histórico pousava sobre essa Torre, do alto da qual os reis ou os almirantes iam ver partir as esquadras para cumprir o destino maravilhoso de Portugal.

Compreende-se então o porvir representado por essa Torre.

Ela simboliza um desígnio de Deus, uma missão.

Há qualquer coisa nela de forte e de recolhido.

Ao pé dela se poderia escrever: estátua de um guerreiro em prece. Sério, forte, impassível, mas num auge de personalidade e vigor de alma.

Essa torre dá a impressão de uma pessoa de busto ereto, muito certa de representar uma grande dignidade, maior do que ela mesma.

Comparem isso com o arranha-céu moderno...

Suponham que alguém dissesse: “não, essa Torre está tomando espaço, nós podemos jogar essa pedraria velha toda no rio e construir o prédio maior do mundo com 200 andares”. Eu nunca mais quereria ver esse lugar.

E se alguém mergulhasse ao fundo do Tejo e trouxesse para fora um das pedras da Torre de Belém derrubada, eu diria: “me dê uma lasquinha para eu guardar comigo e levar comigo na sepultura”.



Plinio Corrêa de Oliveira, 22/2/86. Texto sem revisão do autor.


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