Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A Idade Média foi uma era histórica bem definida no tempo e no espaço.
Começou com a queda do Império Romano em 476 d.C. e concluiu com a queda de Constantinopla nas mãos dos turcos em 1453, segundo alguns historiadores.
Para outros o fim coincide com a descoberta de América.
Entretanto, eis um lado dos mais delicados em matéria de medievalismo: a Idade Média vai além do seu espaço e de seu tempo. Ela permeia outras épocas. Permeia este III Milênio sem rumo.
Porque ela está de acordo com a natureza humana que não muda nem no tempo nem no espaço.
Um exemplo: o Japão pagão teve sua Idade Média, seu feudalismo, seus cavaleiros (os samurais), seu imperador, suas iluminuras. Faltou apenas o doce influxo do Evangelho e da Santa Igreja Católica.
Os frutos do feudalismo japonês, embora viciado de paganismo, foram múltiplos. Vejamos um caso típico:
Estamos diante de uma fortaleza feudal do Japão — o Castelo da Garça.
As muralhas, até certo ponto, se parecem com nossos muros coloniais, com seus grandes beirais. São sólidas e sem nenhum ornato. Têm a poesia da obra que desafiou os séculos.
No fundo projeta-se, muito mais alta do que muralhas, a fortaleza feudal japonesa. Uma construção tão alva e delicada, que mais parece obra de sonhos.
Este castelo lembra, em algo, o castelo europeu medieval?
Sim. Embora na arquitetura ele seja profundamente diferente do castelo medieval da Europa, lembra-o quanto ao seguinte aspecto: no élancé do edifício.
O castelo europeu tem como característica principal as torres.
Aqui não há propriamente torres. Entretanto, o papel que fazem os corpos de edifícios cada vez menores é, no fundo, o de uma torre.
A silhueta evoca um pouco a ideia de uma torre, ou seja, de um corpo de edifícios que procura galgar os céus, que se perde no alto, indicando elevação de espírito e grandeza de alma muito acentuadas.
Porém, em que sentido o Castelo da Garça é diferente do castelo medieval? Este não tem, a não ser raras vezes, esta graça. O castelo europeu, tem-se a impressão de que deita as garras no rochedo. É constituído de torres fortes, prontas para desafiar o vento e o clima hostil.
No castelo medieval, os muros são guarnecidos de ameias e barbacãs para os guardas circularem, a fim de proteger a muralha contra o adversário. Em volta das torres há o fosso com água e a ponte levadiça.
Não se nota propriamente isso no castelo japonês.
O corpo inteiro do edifício parece dissociado da luta. Não se tem noção, à primeira vista, de que haja um vigia espreitando dia e noite.
O castelo japonês é um edifício delicado, nobre, próprio a um povo voltado para o sonho.
E que garante a sua incolumidade contra o adversário através da grossa muralha em volta dele.
A vida do senhor feudal japonês parece um tanto alheia à luta e à defesa.
Ele é um contemplativo, vive em suas delícias, suas contemplações, sentado no chão, diante de uma mesinha, vestido com tecidos preciosos, bebendo chá, numa xícara de porcelana muito bonita, e pensando, pensando...
Nota: A fortaleza feudal de Himeji — na cidade que leva esse nome na província de Hyogo (Japão) —, também conhecida como Hakuro-jo ou Shirasagi-jo (Castelo da Garça Branca), começou a ser construído em 1333, tendo sido inteiramente concluído somente 230 anos depois.
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