Castelo de Bamburgh, dos antigos reis da Nortumbria. Ligado estreitamente ao mar e à vida marinheira. |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
O castelo é por definição a residência da classe que é a nobreza por excelência: aquele setor seleto da sociedade que deve dar a vida por ela.
Sobre os escombros do grandioso Império Carolíngio lançaram-se novas e devastadoras incursões de bárbaros, de normandos, de húngaros e de sarracenos.
Não podendo as populações resistir a tantas calamidades com o mero recurso ao já muito debilitado poder central dos reis, voltaram-se, muito naturalmente, para os respectivos proprietários de terras, em demanda de quem as comandasse e as governasse em tão calamitosa circunstância.
Acendendo ao pedido, os proprietários construíram fortificações para si e para os seus. No caso da Inglaterra essas casas fortes defensivas olhavam de costume para o mar, de onde podiam vir os invasores bárbaros ou normandos.
A designação "seus" no tempo medieval profundamente cristão, incluía, paternalmente, não só os familiares.
Fazia parte dos "seus" a chamada sociedade heril, formada pelos empregados domésticos, trabalhadores manuais e respectivas famílias, que habitavam as terras do proprietário.
Salão principal do castelo de Peckforton arrumado para um casamento |
No recinto desses castelos, cabiam por vezes até os bens móveis e o gado que cada família de camponeses conseguia levar para subtrai-la da cupidez saqueadoras dos invasores.
Vemos assim nesses castelos britânicos grandes recintos delimitados por muralhas para proteger a todos e a tudo.
Na reação militar, o proprietário rural e os seus familiares eram os que tinam que ser os primeiros combatentes.
O dever deles era comandar, estar na vanguarda, na perigosa direção das ofensivas mais arriscadas, das defensivas mais obstinadas.
À condição de proprietário somou-se assim a de chefe militar e de herói.
Muito naturalmente, todas essas circunstâncias revertiam, nos intervalos de paz, em poder político local sobre as terras circundantes.
Em tempos de paz o proprietário era um Dominus no sentido pleno da palavra, com funções de legislador e juiz. E, enquanto tal, um traço de união com o rei.
Assim, a classe nobre formou-se como uma participação subordinada no poder real por vezes remoto ou ausente.
O castelão tinha a seu cargo garantir o bem comum de ordem privada de todos os "seus".
Quer dizer, a conservação e o incremento da agricultura e da pecuária, das quais viviam tanto nobres quanto plebeus.
O castelão devia garantir o bem e a propriedade de cada um. Castelo de Bamburgh. |
Tinha a nobreza alguma participação no exercício do próprio poder central do monarca, pois os nobres de categoria mais elevada eram, em mais de um caso, conselheiros normais dos reis.
E nobres eram, na maior parte, os ministros de Estado, os embaixadores e os generais, cargos indispensáveis para o exercício do governo supremo do País.
O castelo ganhava então uma importância especial: era também a residência de um personagem chave do reino.
A figura do proprietário-senhor nobre nascia da espontânea realidade dos fatos.
Mas a nobreza deles engrandecia a região. Em torno do nobre, constituíram-se então regiões modeladas frequentemente por fatores locais diversos, como as características geográficas, as necessidades militares, os intercâmbios de interesse, o afluxo de multidões de peregrinos a santuários com muita atração.
No caso inglês, reino todo rodeado de mares, o caráter marítimo foi marcante obviamente até na arquitetura.
Contribuíram também afinidades psicológicas peculiares, decorrentes dos mais variados fatores: a tradição de lutas conduzidas em comum, às vezes por muito tempo, contra um adversário externo; as semelhanças de linguagem, de costumes, de expressões artísticas, etc.
Castelo de Rochester. O nobre era um pequeno rei em miniatura, mas muito perto dos pequenos, conhecendo-os e protegendo-os. |
Algum senhor acabava demonstrando ser capaz de governar mais amplos domínios e ficar mais poderoso.
E o povo via nele, o personagem mais representativo da região inteira, mais capaz de lhe aglutinar as várias partes, reunindo-as num só todo sem prejuízo das respectivas autonomias: tudo isto para efeitos de guerra como para as atividades inerentes à paz.
Mais uma vez, o castelo adquiria uma nova nota. De ali também, suas características muito desiguais.
O senhor regional acabava sendo ele próprio uma miniatura do rei na região, com a simpática peculiaridade de estar ao alcance de qualquer um dos "seus".
Ele conhecia, e até padecia, os problemas da região, a história de cada família, e entalo compreendia a cada um.
Como simples senhor-proprietário unido historicamente às famílias dos "seus", assumia um conjunto de direitos e deveres determinados pela história, a geografia, as guerras, a singularidades locais.
Em poucas palavras, uma realidade complexa e única que nunca um deputado nacional de hoje de qualquer país saberia identificar.
Sobretudo nenhuma lei nacional válida para qualquer um em qualquer parte poderia se adaptar bem.
Assim, o senhor feudal era sim o proprietário-senhor nobre, mas seu direito estava muito restringido.
O direito de propriedade era muito participado pelos populares. E o nível deles era elevado pelo nível do senhor. Casa do porteiro do castelo de Stokesay. |
E o nobre também ficava devendo ao seu respectivo senhor uma vassalagem análoga, se bem que não idêntica, à que esse senhor, por sua vez, prestava ao rei.
No topo da hierarquia social ia-se formando desse modo uma hierarquia nobiliárquica.
O castelo tinha uma função prática, mas também simbólica, não só do proprietário mas de todos os "seus".
Por isso todos podiam dizer "nosso" castelo, como se fosse uma casa, e uma proteção, também do mais humilde dos camponeses ou artesãos.
E o senhor era para eles "nosso senhor" pois sabiam que estava unido a eles por um laço de fidelidade recíproca por vezes de séculos.
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