quarta-feira, 19 de junho de 2019

Castelos ingleses: interpenetração das classes sociais, da cultura e da natureza locais

Castelo de Bamburgh, dos antigos reis da Nortumbria
Castelo de Bamburgh, dos antigos reis da Nortumbria.
Ligado estreitamente ao mar e à vida marinheira.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







O castelo é por definição a residência da classe que é a nobreza por excelência: aquele setor seleto da sociedade que deve dar a vida por ela.

Sobre os escombros do grandioso Império Carolíngio lançaram-se novas e devastadoras incursões de bárbaros, de normandos, de húngaros e de sarracenos.

Não podendo as populações resistir a tantas calamidades com o mero recurso ao já muito debilitado poder central dos reis, voltaram-se, muito naturalmente, para os respectivos proprietários de terras, em demanda de quem as comandasse e as governasse em tão calamitosa circunstância.

Acendendo ao pedido, os proprietários construíram fortificações para si e para os seus. No caso da Inglaterra essas casas fortes defensivas olhavam de costume para o mar, de onde podiam vir os invasores bárbaros ou normandos.

A designação "seus" no tempo medieval profundamente cristão, incluía, paternalmente, não só os familiares.

Fazia parte dos "seus" a chamada sociedade heril, formada pelos empregados domésticos, trabalhadores manuais e respectivas famílias, que habitavam as terras do proprietário.



Salão principal do castelo de Peckforton arrumado para um casamento
Salão principal do castelo de Peckforton
arrumado para um casamento
Para todos havia guarida, alimento, assistência religiosa e comando militar nessas fortificações, as quais, com o tempo, se foram transformando em altaneiros castelos senhoriais.

No recinto desses castelos, cabiam por vezes até os bens móveis e o gado que cada família de camponeses conseguia levar para subtrai-la da cupidez saqueadoras dos invasores.

Vemos assim nesses castelos britânicos grandes recintos delimitados por muralhas para proteger a todos e a tudo.

Na reação militar, o proprietário rural e os seus familiares eram os que tinam que ser os primeiros combatentes.

O dever deles era comandar, estar na vanguarda, na perigosa direção das ofensivas mais arriscadas, das defensivas mais obstinadas.

À condição de proprietário somou-se assim a de chefe militar e de herói.

Muito naturalmente, todas essas circunstâncias revertiam, nos intervalos de paz, em poder político local sobre as terras circundantes.

Em tempos de paz o proprietário era um Dominus no sentido pleno da palavra, com funções de legislador e juiz. E, enquanto tal, um traço de união com o rei.

Assim, a classe nobre formou-se como uma participação subordinada no poder real por vezes remoto ou ausente.

O castelão tinha a seu cargo garantir o bem comum de ordem privada de todos os "seus".

Quer dizer, a conservação e o incremento da agricultura e da pecuária, das quais viviam tanto nobres quanto plebeus.

O castelão devia garantir o bem e a propriedade de cada um.
O castelão devia garantir o bem e a propriedade de cada um. Castelo de Bamburgh.

Também estava a cargo dele o bem comum de ordem pública, uma espécie de polícia para enfrentar bandidos ou salteadores de caminhos.

Tinha a nobreza alguma participação no exercício do próprio poder central do monarca, pois os nobres de categoria mais elevada eram, em mais de um caso, conselheiros normais dos reis.

E nobres eram, na maior parte, os ministros de Estado, os embaixadores e os generais, cargos indispensáveis para o exercício do governo supremo do País.

O castelo ganhava então uma importância especial: era também a residência de um personagem chave do reino.

A figura do proprietário-senhor nobre nascia da espontânea realidade dos fatos.

Mas a nobreza deles engrandecia a região. Em torno do nobre, constituíram-se então regiões modeladas frequentemente por fatores locais diversos, como as características geográficas, as necessidades militares, os intercâmbios de interesse, o afluxo de multidões de peregrinos a santuários com muita atração.

No caso inglês, reino todo rodeado de mares, o caráter marítimo foi marcante obviamente até na arquitetura.

Contribuíram também afinidades psicológicas peculiares, decorrentes dos mais variados fatores: a tradição de lutas conduzidas em comum, às vezes por muito tempo, contra um adversário externo; as semelhanças de linguagem, de costumes, de expressões artísticas, etc.

Castelo de Rochester. O nobre era um pequeno rei em miniatura, mas muito perto dos pequenos, conhecendo-os e protegendo-os.
Castelo de Rochester. O nobre era um pequeno rei em miniatura,
mas muito perto dos pequenos, conhecendo-os e protegendo-os.
As rédeas do mando desse bem comum regional iam se refletir em costumes, regras e leis que a convivência quotidiana em luta para dominar as inclemências do local.

Algum senhor acabava demonstrando ser capaz de governar mais amplos domínios e ficar mais poderoso.

E o povo via nele, o personagem mais representativo da região inteira, mais capaz de lhe aglutinar as várias partes, reunindo-as num só todo sem prejuízo das respectivas autonomias: tudo isto para efeitos de guerra como para as atividades inerentes à paz.

Mais uma vez, o castelo adquiria uma nova nota. De ali também, suas características muito desiguais.

O senhor regional acabava sendo ele próprio uma miniatura do rei na região, com a simpática peculiaridade de estar ao alcance de qualquer um dos "seus".

Ele conhecia, e até padecia, os problemas da região, a história de cada família, e entalo compreendia a cada um.

Como simples senhor-proprietário unido historicamente às famílias dos "seus", assumia um conjunto de direitos e deveres determinados pela história, a geografia, as guerras, a singularidades locais.

Em poucas palavras, uma realidade complexa e única que nunca um deputado nacional de hoje de qualquer país saberia identificar.

Sobretudo nenhuma lei nacional válida para qualquer um em qualquer parte poderia se adaptar bem.

Assim, o senhor feudal era sim o proprietário-senhor nobre, mas seu direito estava muito restringido.

O direito de propriedade era muito participado pelos populares. E o nível deles era elevado pelo nível do senhor. Casa do porteiro do castelo de Stokesay.
O direito de propriedade era muito participado pelos populares. E o nível deles
era elevado pelo nível do senhor. Casa do porteiro do castelo de Stokesay.
Porque seu direito de propriedade era participado por um grande número de trabalhadores manuais em virtude de um liame de uma enorme trama de serviços recíprocos e vida em comum.

E o nobre também ficava devendo ao seu respectivo senhor uma vassalagem análoga, se bem que não idêntica, à que esse senhor, por sua vez, prestava ao rei.

No topo da hierarquia social ia-se formando desse modo uma hierarquia nobiliárquica.

O castelo tinha uma função prática, mas também simbólica, não só do proprietário mas de todos os "seus".

Por isso todos podiam dizer "nosso" castelo, como se fosse uma casa, e uma proteção, também do mais humilde dos camponeses ou artesãos.

E o senhor era para eles "nosso senhor" pois sabiam que estava unido a eles por um laço de fidelidade recíproca por vezes de séculos.



Vídeo: Castelos ingleses: fruto da inter-penetração das classes sociais, a cultura e a natureza locais






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