Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Ao cair da tarde, ao final do século XIX, os empregados em libré percorriam os quartos, os vestíbulos, a sala de bilhares, as salas de jantar, salões e boudoirs acendendo, aos poucos, como numa cena de contos de fadas, as lamparinas do tempo de meu pai.
Um teatro de sombras, que não conheci, animava-se na noite. Lá estava um ancião, mas não era meu avô, era o pai de meu avô.
Juntos ao bispo, o vigário, um general previamente tirado de Prévert, dois coronéis, visitantes hospedados desde cinco ou seis meses, nossos primos da Bretanha ou da Provence.
Não compareciam nem préfets de police, nem banqueiros.
E, cercados de lacaios em uniforme azul à la française conduzindo candelabros, todo esse bonito mundo esvaecido passava, em cortejo, à sala de refeições.
Nem tentemos imaginar o que se conversava à mesa. Nada de genial, imagino.
Mas a história tem segredos que os livros e o cinema terão dificuldade em nos comunicar.
Há incógnitas maiores do que o nome do Máscara de Ferro ou o enigma do Templo: são as palavras de meu avô, a atitude de minha avó, o perfume daquela época, o ar do tempo, toda a banalidade incomparável da vida de todos os dias.
Não é isso que quis dizer um dos personagens de Malraux ‒ Garine, em Les Conquérants ‒ quando perguntava se realmente valia a pena escrever livros que não fossem memórias.
É para recordar de modo mais perfeito as entonações de meu avô, seu odor sem igual, seus gestos imperceptíveis, sua figura altiva que escrevi estas recordações.
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